segunda-feira, 24 de outubro de 2016

TRIBUTO A DIÓGENES LIMA (Fifó)
                Espero que o Velho Diógenes não leia esse tributo, pois ele é avesso a elogios. Mas não posso deixar de fazê-lo, pelo menos entre os nossos familiares. É uma questão de justiça, um dever de consciência alardear o quanto o sábio irmão me despertou, desde a minha infância, o gosto pela literatura, pelas ciências. Se pouco aproveitei não foi por falta de MESTRE, mas por incapacidade mesmo.
                Diógenes e Demosthenes não eram gêmeos, mas nasceram no mesmo ano. Desde cedo demonstraram profundo amor um pelo outro. Certa feita Diógenes foi passar uns dias na fazenda e logo seu irmão pediu a nossa mãe que fizesse uma carta pedindo o seu retorno. Logo depois foi a vez de Demósthenes, mas ele, antes de partir, chamou Diógenes e determinou: “Diógenes, ou vou passar uma semana na fazenda, mas você tem porque tem de me mandar uma carta dizendo que eu não vinse” (Rsrsrs). Cresceram sempre muito unidos. Logo, logo, Demósthenes se mostrou um notívago e amante da boemia. Muitas vezes varava a madrugada nas ruas de Mundo Novo, mas sempre acompanhado de Diógenes que dele não desgrudava, apesar de não ingerir uma gota de álcool. Muitas vezes chegavam em casa já com a barra do dia, mas sempre juntos. Quanto amor, quando solidariedade! E no terreno da música? Lembro-me de Diógenes iniciando seus estudos musicais. Sentava-se no pátio lá de casa e lutava com dificuldade para dominar a sua clarineta. Demósthenes ria a valer e contava que Diógenes praticava a clarinete com uma bacia entre os pés, sem imaginar que um dia iria ouvir um virtuose executando Petite Fleur...
                Desde criança eu costumava ficar olhando para o céu de Mundo Novo, extasiado com tanta beleza, com tanta grandeza. Um dia eu estava apreciando um pequeno atlas celestial, quando Diógenes aproximou-se e perguntou-me: “o que você está lendo aí, Corbiniano?” Falei-lhe de mina admiração pelo macro-cosmo e ele comentou: “realmente, é de uma beleza infinita, mas admiro mais o micro-cosmo. E perguntou-me: “você já estudou as teorias astronômicas? Nicolau Copérnico, que defendeu a teoria heliocêntrica? Galileu Galilei, Kepler e suas leis dos três movimentos planetários?” Fiquei surpreso e curioso. Algum tempo depois, eu estava iniciando o meu curso ginasial, quando meu professor de geografia, Dr. Hernandes Medrado disse-me: “seu Dante, fale-me da teoria de Copérnico”. Enchi-me de orgulho, dissertei sobre Copérnico e os demais teóricos sobre o assunto. O professor, de pé, com sua costumeira postura militar, ouvia-me em silêncio. Quando terminei a minha breve explanação ele me disse: “muito bem, seu Lima, o senhor terá um bom futuro”. Subi a ladeira da Floresta exultante, mas contrito. Bem que eu poderia ter aproveitado a oportunidade para agradecer, de público, “a mão” que  o velho Diógenes me deu... Um dia eu estava em casa quando ele aproximou-se e eu lhe falei de meus estudos sobre as teorias astronômicas. Diógenes então me relatou a sapiência e a coragem de Galileu Galilei, que, ao ser forçado a ajoelhar-se diante do Papa e negar a sua teoria de que a terra se movia, o grande sábio virou o rosto de lado e sussurrou: “e pur se muove”. E Diógenes completou com sua prudência e modéstia: “não sei se é assim que se pronuncia em italiano”.
                Em outra oportunidade, eu estava no pátio lá de casa, lendo um livro qualquer, quando Diógenes achegou-se e declamou: “Oh! Bendito o que semeia livros... livros à mão-cheia... e manda o povo pensar!”. Fiquei estupefato! E ele, surpreso, perguntou-me: “você não conhece a vida de Castro Alves? Precisa conhecê-la! Depois ele viajou, passou alguns meses fora e quando retornou encontrou-me com Espumas Flutuantes nas mãos, e como se quisesse lembrar-me que havia outros gênios da poesia declamou “Ora direis ouvir estrelas...” Da próxima vez que ele me apareceu declamei para ele, de cor, a Via- Láctea, e ele respondeu: “Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo, no dia do Pecado amortalhava o mundo.” Era a Alvorada do Amor”, e falamos longamente sobre a coragem de Bilac de ter publicado essa poesia tão desafiadora  para aquela época
                Passaram-se os tempos e um dia o grande irmão chegou-me com um livro preto e proclamou: “De tudo ao meu amor serei atento antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto, que mesmo em face do maior encanto dele se encante mais o meu pensamento”. Era livro do grande Vinícius de Moraes que ele me trazia de presente.
                Foi assim que se transcorreu e transcorre a vida do amado irmão, filósofo, atencioso, adorado e considerado o grande guru de todos nós. E por um dever de consciência lhe dedico esse tributo.
Obrigado irmão, pela lição de vida!
Mundo Novo, 23 de outubro de 2016
“Corbiniano”



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