TRIBUTO A DIÓGENES LIMA (Fifó)
Espero que o Velho
Diógenes não leia esse tributo, pois ele é avesso a elogios. Mas não posso
deixar de fazê-lo, pelo menos entre os nossos familiares. É uma questão de
justiça, um dever de consciência alardear o quanto o sábio irmão me despertou,
desde a minha infância, o gosto pela literatura, pelas ciências. Se pouco
aproveitei não foi por falta de MESTRE, mas por incapacidade mesmo.
Diógenes e
Demosthenes não eram gêmeos, mas nasceram no mesmo ano. Desde cedo demonstraram
profundo amor um pelo outro. Certa feita Diógenes foi passar uns dias na
fazenda e logo seu irmão pediu a nossa mãe que fizesse uma carta pedindo o seu
retorno. Logo depois foi a vez de Demósthenes, mas ele, antes de partir, chamou
Diógenes e determinou: “Diógenes, ou vou passar uma semana na fazenda, mas você
tem porque tem de me mandar uma carta dizendo que eu não vinse” (Rsrsrs).
Cresceram sempre muito unidos. Logo, logo, Demósthenes se mostrou um notívago e
amante da boemia. Muitas vezes varava a madrugada nas ruas de Mundo Novo, mas
sempre acompanhado de Diógenes que dele não desgrudava, apesar de não ingerir
uma gota de álcool. Muitas vezes chegavam em casa já com a barra do dia, mas
sempre juntos. Quanto amor, quando solidariedade! E no terreno da música?
Lembro-me de Diógenes iniciando seus estudos musicais. Sentava-se no pátio lá
de casa e lutava com dificuldade para dominar a sua clarineta. Demósthenes ria
a valer e contava que Diógenes praticava a clarinete com uma bacia entre os
pés, sem imaginar que um dia iria ouvir um virtuose executando Petite Fleur...
Desde criança eu
costumava ficar olhando para o céu de Mundo Novo, extasiado com tanta beleza,
com tanta grandeza. Um dia eu estava apreciando um pequeno atlas celestial,
quando Diógenes aproximou-se e perguntou-me: “o que você está lendo aí,
Corbiniano?” Falei-lhe de mina admiração pelo macro-cosmo e ele comentou:
“realmente, é de uma beleza infinita, mas admiro mais o micro-cosmo. E
perguntou-me: “você já estudou as teorias astronômicas? Nicolau Copérnico, que
defendeu a teoria heliocêntrica? Galileu Galilei, Kepler e suas leis dos três
movimentos planetários?” Fiquei surpreso e curioso. Algum tempo depois, eu
estava iniciando o meu curso ginasial, quando meu professor de geografia, Dr.
Hernandes Medrado disse-me: “seu Dante, fale-me da teoria de Copérnico”. Enchi-me
de orgulho, dissertei sobre Copérnico e os demais teóricos sobre o assunto. O
professor, de pé, com sua costumeira postura militar, ouvia-me em silêncio.
Quando terminei a minha breve explanação ele me disse: “muito bem, seu Lima, o
senhor terá um bom futuro”. Subi a ladeira da Floresta exultante, mas contrito.
Bem que eu poderia ter aproveitado a oportunidade para agradecer, de público,
“a mão” que o velho Diógenes me deu... Um
dia eu estava em casa quando ele aproximou-se e eu lhe falei de meus estudos
sobre as teorias astronômicas. Diógenes então me relatou a sapiência e a
coragem de Galileu Galilei, que, ao ser forçado a ajoelhar-se diante do Papa e
negar a sua teoria de que a terra se movia, o grande sábio virou o rosto de
lado e sussurrou: “e pur se muove”. E Diógenes completou com sua prudência e
modéstia: “não sei se é assim que se pronuncia em italiano”.
Em outra
oportunidade, eu estava no pátio lá de casa, lendo um livro qualquer, quando
Diógenes achegou-se e declamou: “Oh! Bendito o que semeia livros... livros à
mão-cheia... e manda o povo pensar!”. Fiquei estupefato! E ele, surpreso,
perguntou-me: “você não conhece a vida de Castro Alves? Precisa conhecê-la!
Depois ele viajou, passou alguns meses fora e quando retornou encontrou-me com
Espumas Flutuantes nas mãos, e como se quisesse lembrar-me que havia outros
gênios da poesia declamou “Ora direis ouvir estrelas...” Da próxima vez que ele
me apareceu declamei para ele, de cor, a Via- Láctea, e ele respondeu: “Um
horror, grande e mudo, um silêncio profundo, no dia do Pecado amortalhava o mundo.”
Era a Alvorada do Amor”, e falamos longamente sobre a coragem de Bilac de ter
publicado essa poesia tão desafiadora
para aquela época
Passaram-se os
tempos e um dia o grande irmão chegou-me com um livro preto e proclamou: “De
tudo ao meu amor serei atento antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto, que
mesmo em face do maior encanto dele se encante mais o meu pensamento”. Era
livro do grande Vinícius de Moraes que ele me trazia de presente.
Foi assim que se
transcorreu e transcorre a vida do amado irmão, filósofo, atencioso, adorado e
considerado o grande guru de todos nós. E por um dever de consciência lhe
dedico esse tributo.
Obrigado irmão, pela lição de vida!
Mundo Novo, 23 de outubro de 2016
“Corbiniano”
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