No lançamento do livro Sonetos de Eulálio Motta, autoria de
Patrício Nunes Barreiros, em 11.10.2013, em Mundo Novo, Bahia:
Preclaro Professor Patrício,
Não apenas
li e reli o seu livro, mas o estudei. Nunca testemunhei tanto zelo, tanta
dedicação e tanta competência na elaboração de uma obra.
Tendo eu
feito pesquisas em arquivos públicos para composição de meus modestos livros,
onde o material a ser pesquisado já estava devidamente organizado, fico a
imaginar a penosa tarefa que o erudito jovem teve de empreender para
inventariar o acervo de Eulálio Motta, disperso e parte já lançado nos porões
para descarte.
Para os espiritualistas,
é de se imaginar a emoção de Eulálio Motta ao surgir esse Anjo da Guarda para
salvar o trabalho de toda uma vida. Dr. Eulálio sempre teve preocupação com os
“bichinhos dos livros”.
Lendo e
estudando o seu o seu trabalho, fico a imaginar o quanto precisamos de sua
presença em Mundo Novo, onde tanta preciosidade já se perdeu, justamente pela
falta de um profissional competente e dedicado. Nesse particular, temos lutado
deste há muito, pela criação de um museu da Cidade de Mundo Novo, onde um arquivista,
ou um museólogo ou um filólogo pudesse por a salvo nosso acervo histórico. Mas,
infelizmente, até hoje não conseguimos esse intento.
Quem sabe
agora, com a evolução dos tempos, possamos realizar esse sonho com o
aproveitamento de Vossa Senhoria, que com o cabedal de conhecimentos que tem,
poderá liderar esses trabalhos, após a sua contratação pela municipalidade.
De sorte
que, como mundo-novense, como admirador da obra de Eulálio Motta, quero lhe
parabenizar e agradecer pelo seu trabalho, pois, desde menino da escola
fundamental, acompanhei de perto, a vida e a obra de nosso poeta mor.
Na época em
que as solenidades cívicas em Mundo Novo eram uma festa de todos, pois todos
vestiam as cores verde-amarelas, os desfiles patrióticos eram encerrados nas
Escolas Reunidas José Carlos da Motta, onde os estudantes, professores,
autoridades e demais intelectuais declamavam poesias ou faziam belos e inflados
discursos em homenagem aos nossos heróis. Bons tempos, quando ainda não
tínhamos conhecimento da existência dos iconoclastas.
Numa dessas
solenidades, um inteligente, porém afoito estudante proferiu um discurso
negando valor à solenidade de um Sete de Setembro que comemorávamos. Dizia ele,
que nada tínhamos a festejar, já que independentes não éramos, pois em tudo
dependíamos dos Estados Unidos da América do Norte.
O jovem
estudante mal deixava a tribuna e já o Dr. Eulálio Motta a ocupava, sem sequer
esperar que a palavra lhe fosse franqueada. O nosso poeta era também eloquente
orador, e com seu vozeirão, proferiu um belíssimo discurso que me emocionou
sobremaneira. E o vibrante orador terminou seu pronunciamento com uma
advertência ao jovem que o antecedera na tribuna. Disse ele, finalmente: “Meu
Caro Jovem, estamos aqui comemorando a nossa independência política, isto é, a
edificação dos muros de nossa casa. E essa independência a conservaremos
enquanto um brasileiro vivo houver!”
Em outra ocasião, acompanhei de perto a luta de Eulálio Motta
na fixação de nossas fronteiras, quando da emancipação política de Piritiba.
Nessa luta, o nosso poeta foi odiado pelos piritibanos, chegando mesmo, segundo
diziam, a correr risco de morte. Mas, Eulálio Motta, como sempre afirmava, não
era contrário à emancipação do novo município. Apenas não queria que o distrito
de Alto Bonito, sua terra natal, passasse para o domínio dos novos vizinhos.
Eulálio
Motta lutou praticamente sozinho, e quando se viu vencido em sua luta, recorreu
ao STF e, sem advogado, expôs aos Ministros sua contrariedade e pasmem, venceu!
Daí em um de meus livros eu tê-lo intitulado “o poeta que se fez advogado de
nossas fronteiras”.
Assim
crescia a minha admiração pelo bravo mundo-novense, ao ponto de convidar sempre
meus amigos para lhe fazermos uma homenagem, dizendo de nossa admiração, antes
que ele se “tornasse saudade”, como disse um compositor popular.
Mas o tempo
passava e ninguém tomava a iniciativa de homenageá-lo. Numa tarde triste,
estavamos eu e um grupo de amigos reunidos na Praça Senador Cohim, quando
despontou o Dr. Eulálio: passos lentos, mãos cruzadas às costas; decidimos, de
improviso, prestar-lhe, ali mesmo, a nossa justa e desejada homenagem. Fui ao
seu encontro e o levei para o nosso meio. O nosso vate emocionou-se. Já atacado
por dolorosa moléstia, com a voz embargada e com pouco brilho, declamou para
nós a sua belíssima poesia “Último Sonho”:
Mais uma cruz ao lado do caminho
De uma ilusão que sepultei!
Adeus, fonte de sonhos! Adeus, ninho
De esperanças que tanto acalentei!
Adeus! Agora hei de seguir sozinho
Como seguia, quando te encontrei!
Não tentarei achar outro carinho
Outro afeto, outro amor, não tentarei.
Basta de fantasia e de quimera...
Já se me foi o sol da primavera...
O outono alonga a sombra de meu vulto...
Basta de tanto sonho e desencanto...
Que a vida me tem sido um campo santo
De ilusões que acalento e que sepulto
Posteriormente, quando Eulálio Motta já se achava bastante
enfermo, concedeu-me uma longa entrevista, onde abordamos, inclusive, o tema
principal de suas poesias, o seu rumoroso romance com Edy, sua musa
inspiradora. O assunto era pertinente, pois não eram poucas as pessoas que
consideravam esse namoro um devaneio, que servia apenas para inspirar seus
versos apaixonados. Mas, naquela entrevista, que a tenho gravada, ficou
evidente que Edy existiu, tinha filiação e tinha endereço certo. O meu saudoso
amigo narrou seu romance com ela com riqueza de detalhes. Muitos perguntavam
então: por que um amor tão profundo, que marcaria toda a sua vida, desde a
juventude, não se consumou? O motivo parece-me, ficou bem claro em sua obra
literária. Note-se, em primeiro lugar, que foi ele quem a abandonou. Ela, de
sua parte, o esperou por três anos. Mas, os poetas têm um como destino um
rosário de sofrimentos devido à sua alta sensibilidade. Em sua poesia “15 de
abril”, data de seu aniversário, ele amarga: “Enquanto eu vou, com lágrimas no
rosto, pelos montes da vida, carregando o madeiro pesado de um desgosto”. Em
outra poesia, intitulada “A Culpa”, ele expõe a sua “via crucis”: “A culpa é do
destino cruel... do Fado impiedoso, tirano, desalmado, que me quis ver nesse
martírio assim.” Em 1929, em plena juventude, ele parece desesperar-se e
escreve: “Sem ter sido, jamais, pregado à cruz, Eu, no pouco de vida que hei vivido
já sofri muito mais do que Jesus!”
Finalmente,
meus amigos, em seu epitáfio, por ele próprio escrito, ele deixa a revelação
final de seu sofrimento “Aqui jaz alguém que nasceu condenado a ver a vida sem poder vivê-la”
Eminente
professor Patrício, ao finalizar esses breves comentários que muito me honram,
quero agradecer-lhe por esse formidável presente cultural “Sonetos de Eulálio
Motta”, dando-nos a oportunidade de assistir a uma festa desta magnitude.
Muito obrigado.
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